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Um pássaro sem poiso

Palavras soltas, livres, voando por aí

Um pássaro sem poiso

Palavras soltas, livres, voando por aí

20.10.19

Imagine


Isa Nascimento

Imagine we were land and water

I carrying the seed of life

And you killing its thirst.

Imagine we were tree and wind

You caressing my multiple arms

And I moving at your rhythm.

Imagine we were light and darkness

Giving existence to each other

And forever joined in space and time.

And imagine we were man and woman

Uniting our bare bodies and souls

And creating the splendour of the world.

 

Maio de 1990

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17.10.19

Num desalinho


Isa Nascimento

Por entre complexas ideias

E confusos pensamentos

Me perco, desorientada

Desordenada

Num desalinho encoberto

Fingindo por vezes

Uma normalidade desejada

Tantas vezes simulada

Esperando se torne real

Noites atormentadas

De sonhos e imagens

Sem nexo, sem sentido

Que se sentem como feridas

Ardentes, abertas

Alertando-me em vão

Não entendo o que me dizem

E desespero na angústia

De um sofrer sem ver

Por não saber

Apenas sentir

Esperando acordar

 

Novembro de 2016

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17.10.19

A despedida | micronarrativa | coletâneas Chiado Books


Isa Nascimento

O teu bisneto fez-te um desenho. Uma flor e um crucifixo. Os teus filhos e netos assinaram o desenho e foi também contigo, com o teu terço que todos os dias rezavas.

Não te fizemos uma festa pelos noventa anos, mas reunimos toda a família e a aldeia inteira para te dizer adeus.

 

Autor: Isa Nascimento

Texto incluído em:

"Volume I da Colectânea de Micro Narrativas Ficcionais", Chiado Books. Janeiro de 2019

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17.10.19

Humanidade


Isa Nascimento

Há em nós

Uma propensão natural

Para desejar o impossível,

Para sofrer com a ausência

De alguém,

De um objeto mesmo...

Vivemos sonhando a eternidade,

Temendo a morte, que,

Parecendo tão diferentes

Não passam de fronteiras,

De limites do nosso conhecimento,

Marcas de ignorância,

Nomes vagos, abstratos,

Concretos nesse imaginário

Feito de desconhecido e mistério

Que nos torna humanos.

 

Março de 1990

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17.10.19

O primeiro Natal | coletâneas Chiado Books


Isa Nascimento

Quando acordou, estranhou a cama vazia.

Todos os dias se perguntava por que motivo estaria vazia. A noite tinha sempre esse efeito, de lhe proporcionar um esquecimento apaziguador. Notou que naquele dia doeu um bocadinho menos quando se lembrou do motivo. Tirou, finalmente, a aliança. Era uma tolice esperar pela assinatura dos papéis. Na prática já estavam divorciados e, de repente, aquele símbolo de união deixara de fazer sentido.

Enquanto olhava para o dedo marcado e estranhava a ausência daquele objeto que já fazia parte da anatomia da sua mão, refletia sobre as diferenças entre os homens e as mulheres.

Um género sobrevalorizando-se enquanto desvaloriza o outro, com mais ou menos humor, demasiadas vezes com um franco mau gosto.

Nunca durante o seu casamento vira tão claramente as diferenças que os distanciavam um do outro. Era tão óbvio que a separação seria inevitável… apenas uma questão de tempo.

Recordou a sua relação em retrospetiva e veio-lhe à ideia a imagem de uma bomba-relógio.

Era isso, uma bomba relógio prestes a explodir há já vários anos…

Teve a sensação de que acabava de começar uma nova era na sua vida. A era da família desmembrada, de ver os filhos a fazerem o saco semana após semana, a saltitarem constantemente de casa em casa. Não haveria mais almoços de domingo em família, nem viagens nas férias de verão. Esforçava-se para não pensar no próximo aniversário.

Aquele era o seu primeiro Natal da nova era, tinha de se levantar e, acima de tudo, fazer cara alegre. Não poderia estar triste quando fosse acordar os filhos. Era dia de consoada e eles mereciam que fosse especial.

No dia de Natal partiriam logo de manhã. Esse pensamento foi ainda mais devastador do que acordar numa cama vazia. Sentia o peso avassalador da antecipação da solidão e da perda.

Sentia ciúmes pela vida de todos aqueles que juntariam a família e se alegrariam no Natal.

Com os rapazes, aparentemente, estava tudo bem. Ansiavam pela duplicação de mimos e prendas que receberiam dos pais para os compensar pelo falhanço do projeto familiar. Ainda bem que os jovens são assim. Conseguem ver mais facilmente o lado positivo das coisas.

Animam-se perante a expectativa de novas oportunidades em vez de se entristecerem com o passado fracassado.

Desejou que não houvesse Natal, que nunca tivesse havido Natal. Seria menos uma ocasião de sofrimento, menos recordações a lembrar e menos fotografias a esconder.

Nada fazia sentido naquele momento. Sentia a cabeça a rebentar enquanto olhava para a sua aliança, atirada, sem propósito, para cima da mesa de cabeceira.

Não havia nada a fazer. Apenas esperar que no dia seguinte doesse um pouco menos e que conseguisse celebrar com alegria o dia da família (era assim que via o Natal) apenas com os seus pais. No ano seguinte tudo seria diferente e mais fácil. Sorriu. Olhou para a cama e decidiu que passaria a dormir no centro.

 

Autor: Isa Nascimento

Texto incluído em:

"Colectânea de Contos de Natal: Natal em Palavras", Chiado Books. Dezembro de 2018

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16.10.19

Vi um tufo de papoilas | coletâneas Chiado Books


Isa Nascimento

Vi um tufo de papoilas

Há dias à beira da estrada

Vi outros tufos de papoilas

Entre vários outros tufos

De várias outras flores silvestres

Mas na memória retive apenas aquele

Solitário à beira da estrada

Acenando a quem passava

Cheio de vida e cor

Indiferente ao tempo

Simplesmente vivendo

Enquanto a primavera não passa

 

E desejei ser uma daquelas papoilas

Dançando ao vento

Vestidas de escarlate vibrante

Desfrutando do sol

Sem medo da noite

 

Autor: Isa Nascimento

Texto incluído em:

"X Volume da Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea: Entre o Sono e o Sonho”, Chiado Books. Outubro de 2018.

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