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Um pássaro sem poiso

Palavras soltas, livres, voando por aí

Um pássaro sem poiso

Palavras soltas, livres, voando por aí

29.11.19

Dar largas à imaginação


Isa Nascimento

Trabalho por conta própria. Uns dias nas instalações dos meus clientes, outros em casa.

Nos dias em que trabalho em casa, como é o caso de hoje, o motor de arranque do trabalho custa a pegar.

Perco-me em leituras, na escrita, nas fotografias e nas recordações.

Deixo-me controlar pela divagação, pensando, pensando, pensando, escrevendo…

A manhã avança e eu nisto. Trabalho, nada!

E recordo-me de uma frase do meu filho mais novo:

Quando for grande quero ser reformado! 

Era bem pequeno, mas já sabia que o trabalho que nos dá o sustento nos priva de tempo para outras coisas.

Gosto muito do meu trabalho, mas gosto ainda mais dos momentos em que posso dar largas à imaginação... e divagar.

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Ilustração de RBR. Todos os direitos reservados.

 

 

 

27.11.19

Será que gastámos as palavras?


Isa Nascimento

Quem gosta de escrever umas coisitas procura desesperadamente ser original. Dizer alguma coisa pela primeira vez ou fazê-lo de forma mais pertinente, mais completa, mais inspiradora.

É uma tarefa difícil, basta navegar um pouco pela internet para encontrar todo o tipo de frases e citações aplicáveis às mais diversas situações: casamento, divórcio, dia dos namorados, de amigos, para amigos, de saudade, de amor, sobre a morte, sobre a resiliência...

Dir-se-ia que vivemos numa época inspirada, ou de gente inspirada, sempre atenta às últimas novidades no que se refere a mensagens de intervenção, procurando incessantemente a frase ou o vídeo mais pujante, mais ilustrativo, mais solidário. No entanto, a realidade diz-nos que a depressão está a aumentar, o crime é cada vez mais frequente, as dependências da droga e do álcool afetam cada vez mais famílias e a solidão alastra em todas as idades. E dei comigo a pensar:

Será possível que já gastámos as palavras? Tanto as usámos e partilhámos que deixaram de fazer efeito nas nossas ações?

Nas redes sociais e na internet podemos dizer e omitir o que quisermos, podemos transmitir a imagem que mais nos convém e alimentar a nossa popularidade dizendo o que é politicamente correto, o que está na moda, o que quer que seja que nos permita aumentar o número de “gostos” e de “fãs”.

Mas, em casa, o nosso melhor amigo é o ecrã…

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26.11.19

A vida numa canção


Isa Nascimento

Ah! Como gostaria que esta minha alma fosse de poeta

Tudo transformando em sonhos

Quimeras e desventuras apaixonantes

Vendo encanto em qualquer recanto

 

Como gostaria de escrever sem parar

Que as palavras fluíssem à solta

Construindo metáforas e rimas

De fazer chorar e pasmar

 

Sim, largaria as rédeas do pensamento

Confiando-me ao descontrolo sentido

Quando não me encontro se ao espelho me vejo

Quando o sono não vem e a noite me desatina

 

Não me importaria que chovesse ou fizesse sol

Porque nas lágrimas da chuva ouviria a poesia

E nos raios de sol espraiaria os meus versos

Enfiando a minha vida, toda, numa canção                                          

                                                             

Se a minha alma fosse de poeta

Não duvidaria de mim

Escreveria apenas

Só porque sim

 

Setembro de 2018

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22.11.19

Autorretrato


Isa Nascimento

Sou uma árvore, de copa frondosa, ampla, pronta a acolher todos na sua sombra. As minhas raízes profundas prendem-me bem à terra, por isso deixo que se agarrem a mim em busca de segurança, abrigando quem me procura.

Vergo durante a tempestade, perco as minhas cores exuberantes nos invernos mais tristes. De vez em quando solto um ou outro ramo, que deixo ir sem pena por saber que já não preciso dele, nem ele de mim. Também já perdi ramos antigos, que nutri durante muitos anos e cuja perda me fez derramar rios de lágrimas que cheiravam a tristeza e a amor. Mas, como sou uma árvore e as árvores são resilientes, deixei que a minha casca protetora crescesse e sarasse as feridas deixadas pelos ramos partidos, voltando a minha atenção para os ramos que ainda tinha. E assim fui crescendo, cada vez mais forte e exuberante.

Contudo, como qualquer árvore, preciso de espaço para que os meus ramos cresçam livremente, no sentido que quiserem, tão longe quanto conseguirem. Esse espaço pode estar cheio de pessoas, que alimentam a minha essência comunicativa, mas também pode estar vazio. No vazio da solidão reencontro-me e regenero a seiva vital que percorre todos os meus ramos e todas as minhas raízes. Por isso me sinto em paz no meu jardim, ao entardecer, quando o ar se torna mais puro e a água mais fresca, quando o silêncio da ausência de vozes e risos me permite divagar e viajar por um mundo que é só meu. Um mundo em que estou em sintonia e união perfeita com todos os elementos, todas as energias e todos os espíritos que caminham sobre a terra.

Às vezes aparece um jardineiro para me podar os ramos, querendo controlar a minha natureza de árvore indomável e selvagem, e durante uns tempos deixo que o pobre jardineiro faça o seu trabalho. Mas depois canso-me. Não sei ser outra coisa para além de ser uma árvore orgulhosa, que ruidosamente abre os seus ramos e diz, eu sou assim e estou aqui “para o que der e vier”. Nessa altura, o jardineiro perde a paciência por não conseguir calar as palavras gravadas nos meus ramos, que voam pelo mundo quando as minhas folhas caem no outono, e percebe que não há forma de podar a inconstância de uma árvore teimosa.

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21.11.19

Lamento


Isa Nascimento

Não há maior solidão do que a que se sente

Por querer falar e não ter quem escute

Por querer partilhar e não ter com quem

Por querer abraçar e não alcançar ninguém.

                                                                           

Não há maior lamento do que o que me sai do peito

Porque me sinto só quando a teu lado me deito.

 

Novembro de 2011

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Fritz Koenig (20 junho 1924 – 22 fevereiro 2017); Klagewand (Wall of tears / Muro das lágrimas)

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