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Um pássaro sem poiso

Palavras soltas, livres, voando por aí

Um pássaro sem poiso

Palavras soltas, livres, voando por aí

04.11.19

Haverá mais dignidade na morte do que na vida?


Isa Nascimento

Há uns anos atrás assisti à 8.ª edição do Colóquio dos Jovens Filósofos, no Barreiro.

Na altura, a eutanásia era muito debatida e foi abordada por um grupo de alunos sob o tema

Haverá mais dignidade na morte do que na vida?

Foi um assunto polémico, gerando grande debate na audiência repleta de jovens adolescentes do ensino secundário. Recordo-me de ter respondido “sim” àquela pergunta por estar convicta de que estar vivo não significa viver, muito menos viver minimamente bem. Não gostei de me imaginar sem qualquer controlo sobre o meu corpo, vendo a minha pessoa limitada ao desempenho das funções fisiológicas básicas.

Infelizmente, cinco anos volvidos após esse “sim”, volto a deparar -me com esta questão da “dignidade da vida”, mas agora “ao vivo e a cores”.

Uma pessoa que amo muitíssimo vive sem viver. Sobrevive em estado vegetativo sem qualquer capacidade de comunicação ou interação com o mundo… A pouca expressão que conseguimos perceber nos seus olhos transmite desespero e sofrimento.

Se aquela pessoa pudesse ter tido opção de decisão sobre o seu futuro, o que acharia mais digno, viver assim ou morrer?

Eu, quando vejo o seu enorme mal-estar e nada posso fazer para o aliviar, o que desejo no meio de um gigantesco sentimento de frustração e impotência?

Não sei…

Só sei que não há qualquer dignidade em viver assim.

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03.11.19

Um dia, se eu chegar aos 87 anos...


Isa Nascimento

Ontem conheci a D. Gertrudinha. Ou algo parecido, não percebi bem, porque a D. Gertrudinha é uma simpática senhora idosa, cujo “papá” era espanhol, mas a “mamã” era portuguesa. Do Algarve, pelo que percebi. Sentou-se ao meu lado ao almoço, numa mesa no El Corte Inglés, e de imediato começou a conversar. Meteu-se com o meu cabelo, que me tapava a cara e me escondia. E eu aceitei a conversa. Perguntei-lhe de onde era, pois tinha uma pronúncia espanhola… Ficou admirada, diz que não costumam reparar que tem uma costela estrangeira e daí começou a contar a sua história. Como foi feliz no casamento durante mais de 30 anos até a sua sogra, que ainda hoje estima muito, falecer. Um dia depois do funeral, o seu marido saiu de casa. Parece que tinha uma amante durante os períodos em que ela ia ao Algarve ver a mãe. A desilusão foi tão grande que nunca mais quis nenhum homem na sua vida. Tinha pouco mais de 50 anos e não tinha filhos. A vida não lhos deu. Teve alguns pretendentes, mas optou por ficar sozinha, até hoje, com 87 anos.

Mas gostava que vissem a D. Gertrudinha. Como ela ainda tem gosto em se vestir e maquilhar bem. Como a sua lucidez lhe permite manter um discurso coerente e fluido. Só se queixa porque já vê mal e precisa de uma muleta para andar. Se eu soubesse desenhar, faria o seu retrato para partilhar convosco. Assim guardo-a na memória, só para mim. Porque, um dia, se eu chegar aos 87 anos, gostava de ser como a D. Gertrudinha.

Em honra da minha querida mãe 

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01.11.19

Enjaulada


Isa Nascimento

Na solidão me conheço

Contemplando-me de dentro

Pairando sobre mim

 

Reflito sobre o dito

O indizível e o não dito

Desenquadrada deste mundo

Buscando a

Sensação de pertença

Legitimidade do meu lugar

 

Encontro-me só

Desfrutando dessa solitude

Quietude apaziguadora

Da minha própria companhia

 

Acuso-me, desculpo-me

Compreendo-me

Vejo o que sou

Almejando o que não sou

Cobiçando outra vida

 

A vida daqueles

Que por mim passam

Aparentemente contentes

Supostamente em paz

Exibindo a serenidade

Desde sempre ansiada

Por esta minha alma

Insatisfeita

Irrequieta

 

Assim desgarrada

Observo o bulício

De um génio sonhador

Nesta existência enjaulado

Agrilhoado

Tentando evadir-se

Desde sempre

Eternamente

 

Setembro de 2017

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