Quando andava na faculdade, vivi algum tempo com uma colega de curso, amiga desde o dia das matrículas do 1.º ano até hoje.
Esta minha amiga, galhofeira e bem-disposta, resolveu um dia afixar na porta da casa de banho do nosso estúdio um papel com a frase “É tão bom fazer cocó! 😊”. Esta singela folha A4 branca, com uma frase cuja veracidade ninguém se atreveu a contestar, causou as mais variadas reações, desde o sorriso franco imediato, até ao desconforto que levou alguns a sugerir que o mesmo fosse retirado daquele lugar tão exposto.
Mas, se é mesmo verdade que o alívio sentido após uma “evacuação completa”, a expressão formal para representar a dita ação fisiológica, é realmente bom
, por que motivo se considera “inadequado” escrevê-lo ou dizê-lo oralmente? A explicação reside no próprio tema, as manifestações externas do nosso sistema digestivo são um tema tabu…
E se este é um exemplo muito ingénuo de um tema que causa pruridos quando abordado de forma humorística, outros há bem mais polémicos, como a religião, a política, a orientação sexual, etc.
Haverá, de facto, temas sobre os quais não temos o direito de falar abertamente, conforme nos apetece? A liberdade de expressão diz que não, afirmando que qualquer um de nós tem o direito de exprimir livremente a sua opinião, quer o faça de forma verborreica ou lacónica. Não importa como o fazemos, pois todos temos o direito de expressar a nossa opinião…
Apesar de concordar com o direito à liberdade de expressão, acredito que o contexto em que o exercemos o condiciona.
“Deitar cá para fora” o que nos vai no pensamento é, na sua essência, inócuo e/ou positivo, afinal, são só palavras… Contudo, quando essas palavras se dirigem a alguém em concreto, que as “levará a título pessoal” (como qualquer um de nós levaria…), não teremos o dever, ao exercer aquele direito, de refletir sobre o nosso impacto ao proferir aquelas palavras?
Quando manifestamos as nossas opiniões através das palavras, diretamente a uma pessoa, o positivismo inerente à liberdade de expressão torna-se muito relativo.
As palavras são poderosas. Tornam-se ainda mais fortes quando emolduradas por uma expressão facial condicente e um tom de voz a combinar. Por isso se afirma que o verdadeiro poder está no “como” se diz, muito mais do que no “conteúdo” daquilo que se diz.
Se uma simples frase como aquela, afixada à porta de uma casa de banho, pode causar desconforto ou boa disposição, não é difícil imaginarmos o impacto que as nossas palavras podem ter na pessoa que nos ouve ou lê.
Já perdi a conta às vezes que disse a mim própria que “devia falar menos”, pois em muitas ocasiões, o impacto que causei foi muito diferente daquele que esperava. Infelizmente não consigo falar menos, escrever menos ou comunicar menos.
Assim, vou sendo mais rigorosa nas palavras que escolho e criteriosa nas opiniões que emito. Acima de tudo, antes de opinar, reflito sempre sobre se poderei causar desconforto ou sofrimento a alguém com aquilo que vou dizer, com algo que poderá ser meramente a minha opinião… e as opiniões são apenas e só isso, valem o que valem para cada um de nós.
Às vezes, assumir a liberdade de expressão poderá ser escolher não exercer esse direito.
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Imagem de Points Of You