Paciência
Há alturas na vida em que tudo o que podemos fazer é aguardar...
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Há alturas na vida em que tudo o que podemos fazer é aguardar...
É tão fácil pisar a flor à beira do caminho
Enquanto praguejamos contra as pedras
Que nos dificultam a jornada
Nem a vemos, cegos, no alto da nossa soberba
Indiferentes à sua delicada existência
Que tanto nos pode ensinar
Poucos são os que olham o chão que pisam
Preferindo deixar-se levar sem ver por onde
Aliviando assim o peso da consciência
E o fardo da responsabilidade descartada
Poucos são os que param para a apreciar
Rendendo-se ao seu encanto frágil
Protegendo-a do desprezo e do desdém
Tantas vezes dedicado às pequenas flores da vida
Outubro de 2020
Sem palavras
Quando as palavras me faltam
Sei que estou perdida
Quando nem as palavras me valem
Sei que estou à deriva
O que posso eu fazer
Quando nem as palavras me acodem?
De boca silenciada e caneta poisada
Nada mais me resta
Apenas palavras apagadas
Palavras gastas de tanto repetidas
Palavras vazias de tão insuficientes
Onde não cabe este tanto que vai cá dentro
Onde já nem sei como ser gente
Por não ter palavras suficientes
Quando as palavras se vão
Ficam vazias as minhas mãos
Em branco o meu caderno
Sem socorro o meu pensamento
Sem as palavras pouco fica
Um coração cheio de nada
Numa campa sem lápide
Fevereiro de 2021
Sentei-me na chapa quente
dos degraus das escadas das traseiras.
Cheio de vigor, o sol exuberante
aparecia por cima dos telhados
ao som do sino que tocava as dez badaladas.
Num quintal ao lado,
uma árvore vestida de branco
mostrava-se orgulhosamente pura
no meio de um matagal de ervas daninhas
que reclamavam todo o espaço para si.
Logo ao lado, o cão do pátio ladrilhado
agitava-se inquieto, pedindo para sair.
Largava toda a sua energia contida
ladrando ao avião que passava,
sem conseguir calar-se
nem quando o silêncio ao céu regressava.
Depois dos dias de chuva inebriante,
que deixara a natureza viçosa e fresca,
pronta para receber mais uma primavera,
o musgo trepava pelas paredes
e a nespereira alcançava um pouco mais.
Tanto verde havia em meu redor,
refletindo os raios do sol caloroso
que abraçava o dia e as escadarias,
também elas verdes como a esperança
impregnada naquela árvore florida,
que recomeçava o ciclo da vida.
Fevereiro de 2021
Era responsável pelas compras para o bar da escola. Toda a gente se queixava das carcaças intragáveis, mas recusava-se a mudar o fornecedor do pão. O diretor do agrupamento teve de intervir. Afinal, eram amigos e trocavam favores. Se há quem se venda por carcaças, o que fará por….
Olhei o rio e vi o mar,
Por tão imenso ser,
Por tanto brilhar ao entardecer.
Talvez o rio beijasse o mar
Ou o mar abraçasse o rio,
Não consegui perceber.
Indiferentes ficaram, entrelaçados,
Entre margens que se apartavam,
Dançando juntos, enfeitiçados,
Sem ver os olhos que os olhavam.
Janeiro de 2021
No jardim da vizinha do lado
Vi uns tijolinhos de musgo forrados
Assim vestidos de veludo
Pareceram-me travesseiros acolchoados
Fevereiro de 2021