Alguém vestiu uma árvore
Não sei há quanto tempo, mas pelo estado desgastado da sua roupa, diria que já a usa há uns bons meses. Passei por ela muitas vezes sem a ver, como é normal quando andamos pelas ruas, absortos nos nossos pensamentos, provavelmente com pressa para chegar a qualquer lado.
Parece-me óbvio que a sua vestimenta nada teve a ver com os assomos de criatividade despertados pela COVID-19, mas foi graças à pandemia que vi aquela árvore, numa tarde mais ou menos soalheira em que me atrevi a ir beber café fora de casa. Peguei no meu copinho de cartão e atravessei a rua, em busca de sol, quando dei de caras com ela!
Ali estava, vaidosa e indiferente às angústias dos poucos passantes, exibindo as suas vestes feitas de quadrados de croché de lã colorida.
Uma árvore vestida de arco-íris e tradição, que me fez regressar a casa da minha avó materna. Vi novamente os inúmeros saquinhos com novelos de lã e muitas amostras de pontos e combinações de cores onde eu adorava bisbilhotar. Recordei as várias peças de croché a cobrir as costas e os braços do sofá da sala, as almofadas, as pegas da cozinha...
Deixei-me ficar a contemplá-la enquanto saboreava o meu café, absorvendo o momento para que se impregnasse na minha memória, para que nunca me abandonasse.
Estarei sempre grata àquela árvore que tornou o meu dia especial e a quem tão originalmente a vestiu.

