Incerteza
Os degraus das escadas ainda estão molhados
Choveu durante a noite
E o sol ainda não teve tempo de os secar
Penso que não está seguro de o fazer ou não
Vem e vai conforme lhe apetece
Como se brincasse às escondidas comigo
Ora escondendo-se a trás das nuvens
Ora revelando-se em todo o seu esplendor
Está indeciso, o sol
E as nuvens indecisas estão
Para não falar da chuva
Cujo génio imprevisível
Nos tem a todos reféns
Tudo me parece às avessas
O mundo a involuir
Os elementos sem tempo certo
O inverno misturando-se com a primavera
A guerra a paredes meias com a paz
Nos degraus ainda molhados
Ora soalheiros, ora ensombrados
Imagino que estou noutro mundo
Um mundo desconcertado
Habitado por mentes desacertadas
Que deixarei para trás quando regressar a casa
Como se deixa um pesadelo
No alívio do despertar
Uma brisa suave afaga o meu cabelo
Enquanto o sol me beija novamente
E tudo o que desejo é que a chuva espere um pouco
Que seja benevolente esta manhã
Porque está cheio o meu estendal
Muito mais do que isso desejarão
Homens e mulheres tão longe de mim
Mas que tão perto sinto cá dentro
Que a pequenez do meu pedido à chuva
Se agiganta e me sufoca num tormento
Porque não é outro mundo este em que estou
É real este pesadelo de incerteza
De vidas suspensas e ações obscuras
De mais uma gigantesca nódoa
Na história da humanidade
Março de 2022