Já não há dia da família
Hoje soube que o estúdio de yoga vai encerrar na semana de Natal. A professora comunicou-o com algum receio na voz, como se estivesse a pedir desculpas pelo facto.
Comentei que não me chocava, que achava bem esse intervalo numa semana em que o descanso e o tempo em família é tão importante.
A este propósito pensei na quantidade de pessoas que trabalham arduamente nesta época para alimentar o consumismo desenfreado que cria engarrafamentos fora da hora de ponta e leva ao prolongamento do já extenso período de funcionamento das superfícies comerciais.
Lembrei-me então daquele tempo em que estava quase tudo fechado ao domingo.
Sim, é verdade, eu sou desse tempo…
Durante a semana havia as obrigações do trabalho para os pais e da escola para os miúdos.
O sábado era o dia das compras e das limpezas da casa.
E o domingo era o dia em que a família estava toda reunida.
Ao domingo podíamos acordar mais tarde, passear e visitar amigos. Na casa dos meus pais, o almoço de domingo era sempre especial e com direito a sobremesa. Tudo maravilhosamente confecionado pela minha mãe, emanando cheiros que ainda hoje me fazem crescer água na boca só de os recordar.
Era o único dia em que eu e os meus irmãos podíamos entregar-nos afincadamente ao processo de preparação de um café Mokambo. Primeiro o pó, depois o açúcar e uma pinga de água quente. Seguia-se a mistura, o mais depressa que conseguíssemos, para envolver tudo e fazer espuma. A qualidade do café que preparávamos era determinada pelas características da espuma: tinha de ser cremosa, de cor clara e cobrir toda a superfície da chávena.
Atualmente vivemos uma realidade oposta. Há inúmeras profissões exercidas 7 dias por semana, frequentemente em turnos distribuídos ao longo das 24 horas do dia. Folga-se um domingo ou dois por mês, há um fim de semana completo ocasionalmente e o dia de Natal é muitas vezes celebrado com os colegas e não com a família. Quem diz o Natal, diz o Dia de Ano Novo, a Páscoa, o Dia da Mãe que se celebra sempre no primeiro domingo de maio…
Os tempos mudaram. Toda a gente deseja ter o que precisa à sua disposição 24 horas por dia (ou quase). Dizem que isto aumentou o número de empregos disponíveis. Talvez… Mas que tipo de empregos, com que remuneração e a que custo para as famílias?
Não sei responder a estas perguntas, mas atrevo-me a afirmar que esse “consumismo desenfreado“ extinguiu o dia da família…
Sinto uma ponta de saudosismo. Ainda que saiba que a globalização e a tecnologia nos facilitaram muito a vida, lamento que os meus filhos, e todas as gerações mais jovens, não tenham podido desfrutar de mais momentos destes, tranquilamente em família, um dia por semana e sem um ecrã â frente.