O relógio
Um dia, o relógio parou.
Estava cansado.
Tantos dias havia contado
Que já lhes tinha perdido a conta,
E nunca o tempo
Por ali havia parado.
Passara sempre fugaz, em silêncio,
Esgueirando-se logo de seguida,
Calado.
Sempre quisera conhecer o tempo.
Contava os segundos que corriam,
Reunindo os minutos mais serenos
Para então construir as horas,
Vagarosas nalguns dias,
Noutros fugidias,
Sem nunca perder nenhuma.
Era importante esse rigor
Para que o tempo passasse certo.
Lá no alto, o relógio laborara,
Atento, tomando conta do tempo.
Somara dias às semanas,
Adicionara meses aos anos,
Vendo as flores desabrochar na primavera,
O verão cheio de crianças no jardim,
As aves que partiam no outono
E a neve que chegava no inverno.
As estações sucediam-se,
Ano após ano, mas nunca se distraíra.
Existia para contar o tempo,
E era essencial contá-lo bem.
Mas era inútil, pensou o relógio
Naquele dia em que parou.
O tempo nunca pararia por ali.
Passaria eternamente
Sem se deter por um momento,
Pois, para isso o tempo
Nunca teria tempo
E o dele havia esgotado.
Fevereiro de 2021