Um dia, se eu chegar aos 87 anos...
Ontem conheci a D. Gertrudinha. Ou algo parecido, não percebi bem, porque a D. Gertrudinha é uma simpática senhora idosa, cujo “papá” era espanhol, mas a “mamã” era portuguesa. Do Algarve, pelo que percebi. Sentou-se ao meu lado ao almoço, numa mesa no El Corte Inglés, e de imediato começou a conversar. Meteu-se com o meu cabelo, que me tapava a cara e me escondia. E eu aceitei a conversa. Perguntei-lhe de onde era, pois tinha uma pronúncia espanhola… Ficou admirada, diz que não costumam reparar que tem uma costela estrangeira e daí começou a contar a sua história. Como foi feliz no casamento durante mais de 30 anos até a sua sogra, que ainda hoje estima muito, falecer. Um dia depois do funeral, o seu marido saiu de casa. Parece que tinha uma amante durante os períodos em que ela ia ao Algarve ver a mãe. A desilusão foi tão grande que nunca mais quis nenhum homem na sua vida. Tinha pouco mais de 50 anos e não tinha filhos. A vida não lhos deu. Teve alguns pretendentes, mas optou por ficar sozinha, até hoje, com 87 anos.
Mas gostava que vissem a D. Gertrudinha. Como ela ainda tem gosto em se vestir e maquilhar bem. Como a sua lucidez lhe permite manter um discurso coerente e fluido. Só se queixa porque já vê mal e precisa de uma muleta para andar. Se eu soubesse desenhar, faria o seu retrato para partilhar convosco. Assim guardo-a na memória, só para mim. Porque, um dia, se eu chegar aos 87 anos, gostava de ser como a D. Gertrudinha.
Em honra da minha querida mãe